
“O Papa não tem grande amor por Vance nem por Trump. [Vance] tem posições que são contra a doutrina social da Igreja, no que toca às migrações e aos Direitos Humanos”. A declaração foi deixada no passado sábado por uma pessoa próxima do Papa Francisco ao Politico, por ocasião do encontro do vice-presidente norte-americano com o líder da diplomacia do Vaticano, Pietro Parolin. Mas os alegados sentimentos negativos do líder da Igreja Católica face a JD Vance não o impediram de o receber, na manhã do domingo de Páscoa.
Este viria a ser o último encontro oficial do Papa Francisco. Menos de 24 horas depois, na manhã desta segunda-feira, o Vaticano comunicava a sua morte. “É profundamente irónico“, escreve a The Economist sobre estes factos, já depois da morte do Papa. A “ironia” justifica-se com as relações tensas que o Vaticano de Francisco manteve com a Casa Branca de Donald Trump, nas suas duas administrações. Nos últimos meses, as tensões passaram a incluir JD Vance, católico convertido, depois de o número dois da administração norte-americana ter feito uma interpretação teológica da política anti-imigração.
A popularidade do bispo de Roma entre os católicos norte-americanos é inegável: ao longo de 12 anos, manteve taxas de aprovação sempre acima dos 70%, segundo os inquéritos levados a cabo pelo Pew Research Center durante o seu pontificado. No entanto, desde 2018 que os resultados têm mostrado uma cisão partidária na sua popularidade: enquanto as taxas continuaram a crescer entre os democratas, registaram uma queda entre os republicanos.
Essa popularidade não se traduz nos membros norte-americanos do Colégio Cardinalício — o conjunto de todos os cardeais –, um grupo tradicionalmente mais conservador do que os seus pares noutras geografias. “Eu sei que é daí [dos Estados Unidos] que vem a oposição“, terá dito o Papa aos seus conselheiros logo após a sua nomeação. Mais tarde, garantiu que não queria criar divisões no seio da Igreja. Mas que também não tinha “medo” de avançar com reformas.
O Papa Francisco travou assim dois braços de ferro em simultâneo: um com a administração Trump e as suas políticas migratórios. Outro, num plano mais alargado, com a Igreja Católica dos Estados Unidos, a sua visão mais conservadora e a sua preponderância no seio da Cúria.
Donald Trump ainda não era Presidente, nem sequer candidato republicano, quando o Papa Francisco lançou a primeira farpa na sua direção. A bordo do avião papal, depois de uma viagem oficial ao México, o Papa criticou a sua promessa eleitoral de construir um muro na fronteira entre o México e os Estados Unidos. “Uma pessoa que só pensa em construir muros, onde quer que esteja, e não em construir pontes, não é cristão“, declarou em fevereiro de 2016. A campanha do então candidato republicano respondeu, afirmando que “um líder religioso questionar a fé de uma pessoa é vergonhoso”.
A proteção dos imigrantes foi definida por Francisco desde cedo como uma das suas prioridades, que ficou visível na primeira visita oficial que fez, em 2013, quando se deslocou à ilha italiana de Lampedusa, um dos pontos de acolhimento aos imigrantes que tentavam chegar à Europa. As relações não melhoraram quando Trump chegou a chefe de Estado. Quando em 2017 os dois homens se conheceram pessoalmente, numa visita de Donald Trump ao Vaticano, os jornais norte-americanos fizeram questão de destacar o semblante sério do Papa Francisco e os livros sobre as alterações climáticas que ofereceu ao Presidente, que retirara os Estados Unidos dos acordos de Paris.