
Depois de meses de negociações tensas e dúvidas até ao último minuto, a Ucrânia e os Estados Unidos da América (EUA) chegaram finalmente a um acordo para uma parceria económica que inclui a exploração de minerais raros para financiar a reconstrução do país depois da guerra com a Rússia.
O anúncio oficial foi feito pelo Secretário do Tesouro dos EUA, Scott Bessent, num comunicado publicado no site do Departamento: “Graças aos esforços incansáveis do Presidente Trump para garantir uma paz duradoura, é com satisfação que anuncio a assinatura do histórico acordo de parceria económica entre os Estados Unidos e a Ucrânia, que cria o Fundo de Investimento para a Reconstrução Estados Unidos-Ucrânia”. Bessent deixa ainda o que pode ser visto como um recado para Moscovo: o entendimento “indica claramente à Rússia que a administração Trump está empenhada num processo de paz centrado numa Ucrânia livre, soberana e próspera a longo prazo”.
E continua: “O Presidente Trump imaginou esta parceria entre os povos americano e ucraniano para mostrar o empenho de ambas as partes na paz e prosperidade permanente da Ucrânia. E, para ser claro, não vai ser permitido a nenhum estado ou pessoa que financiou ou abasteceu a máquina de guerra russa beneficiar da reconstrução da Ucrânia”.
A parceria económica “posiciona os dois países para colaborar e investir juntos de forma a garantir que bens, talentos e capacidades comuns possam acelerar a recuperação económica da Ucrânia”, lê-se ainda na nota. Uma ideia que o secretário norte-americano do Tesouro repetiu depois num vídeo divulgado na rede social X.
Thanks to @POTUS @realDonaldTrump’s tireless efforts to secure a lasting peace, I am glad to announce the signing of today’s historic economic partnership agreement between the United States and Ukraine establishing the United States-Ukraine Reconstruction Investment Fund to help… pic.twitter.com/N1jPa35DYh
— Treasury Secretary Scott Bessent (@SecScottBessent) April 30, 2025
Também na rede social X, a ministra da Economia e vice-primeira-ministra da Ucrânia, que viajou para Washington para assinar o documento, confirmou o entendimento. Yulia Svyrydenko escreveu que “juntamente com os Estados Unidos” Kiev está “a criar o Fundo que irá atrair investimentos globais” para o país.
On behalf of the Government of Ukraine, I signed the Agreement on the Establishment of a United States–Ukraine Reconstruction Investment Fund.
Together with the United States, we are creating the Fund that will attract global investment into our country. pic.twitter.com/8ryyAMqW83
— Yulia Svyrydenko (@Svyrydenko_Y) April 30, 2025
E se o comunicado do secretário do Tesouro norte-americano não adiantou detalhes sobre o acordo, Yulia Svyrydenko, explicou no X os pontos principais do entendimento que prevê uma estrutura de exploração de recursos naturais, de minerais (como alumínio e grafite) a petróleo e a gás natural.
????Key provisions of the Agreement — in brief:
1. Full ownership and control remain with Ukraine.
All resources on our territory and in territorial waters belong to Ukraine. pic.twitter.com/qEM3nX26S5— Yulia Svyrydenko (@Svyrydenko_Y) April 30, 2025
Yulia Svyrydenko resume em nove pontos chave este entendimento tão difícil de obter e que parecer estar em causa até ao último momento:
- Todos os territórios explorados permanecem sob controlo ucraniano e Kiev pode decidir onde e o que pode ser extraído.
- O Fundo é dividido de forma igualitária: cada parte detém 50% do mesmo.
- As companhias estatais ucranianas ficam protegidas e não podem ser sujeitas a processos de privatização.
- O acordo não prevê obrigações de dívida da Ucrânia aos Estados Unidos.
- A rota para a adesão à UE, prevista na Constituição ucraniana, não será alterada nem prejudicada.
- O Fundo será financiado apenas com novas licenças de exploração. Ou seja, lucros de projetos que já existem não serão canalizados para o fundo. Este ponto distingue-se dos rascunhos que tinham sido revelados até aqui.
- Podem ser feitas mudanças na lei ucraniana, mas estas devem ser limitadas. O acordo ainda tem de ser aprovado no parlamento ucraniano.
- Os Estados Unidos ficam responsáveis por atrair mais investimentos e tecnologias para ajudar a Ucrânia “contra o agressor russo”.
- Os lucros do fundo não serão sujeitos a impostos quer nos Estados Unidos ou Ucrânia, maximizando assim o processo de reinvestimento.
Quais são os 11 pontos do acordo que prevê a exploração de recursos ucranianos pelos Estados Unidos?
Para além de detalhar os nove pontos consagrados no acordo para o Fundo de Investimento na Reconstrução, a ministra ucraniana adiantou ainda uma breve explicação de como este funcionará na prática: Estados Unidos contribuem diretamente para o fundo com ajuda financeira e com assistência militar. Em troca a Ucrânia investe 50% das receitas do Orçamento de Estados em projetos completamente novos. Kiev pode ainda contribuir com meios adicionais.
Com estes meios, o fundo serve para investir em “projetos de extração de materiais críticos, petróleo e gás — assim como infraestruturas e processamento relacionados”. Os projetos para investimento serão escolhidos de forma conjunta entre Washington e Kiev, mas apenas no território ucraniano.
Além disso, as receitas dos primeiros dez anos não serão distribuídas entre as duas partes, mas reinvestidas na Ucrânia. Daí que a ministra classifique este acordo como “uma cooperação desenhada para durar décadas”. Yulia Svyrydenko sublinha ainda que os termos acordados “providenciam condições mutuamente benéficas para ambos os países”.
Os EUA querem aceder a mais de 20 matérias-primas da Ucrânia consideradas estratégicas os seus interesses, como o titânio, utilizado no fabrico de asas de aeronaves e outras indústrias aeroespaciais, e o urânio, usado na energia nuclear, equipamento médico e armas, explica a agência de notícias Associated Press. E a Ucrânia tem ainda lítio, grafite e manganês, fundamentais para as baterias dos carros elétricos.
O acordo foi assinado à segunda tentativa e por segundas figuras dos dois estados. Na primeira vez, a cerimónia oficial estava marcada para fevereiro, na Casa Branca e com os Presidentes Volodymyr Zelensky e Donald Trump. Porém, um histórico confronto de palavras entre ambos os líderes (e com o vice-Presidente JD Vance à mistura) na Sala Oval, causou um retrocesso que cancelou o ato solene e adiou o acordo por cerca de dois meses, numa quebra de relações que teve de ser reparada estilhaço a estilhaço.
Ainda houve uma nova versão proposta por Washington em março que a Ucrânia considerou desfavorável aos seus interesses mas com o decurso das negociações o documento assumiu contornos mais aceitáveis para Kiev.
O último gesto de aproximação deu-se durante o funeral do Papa Francisco, registada numa significativa fotografia de Zelensky e Trump sentados sozinhos. E se tudo parecia finalmente ter entrado nos carris, esta quarta-feira, dia agendado para a assinatura do acordo em Washington, surgiram novos momentos de tensão.
Primeiro o Financial Times noticiou que a Ucrânia estava a ver “obstáculos de última hora”, aludindo a um telefonema recebido pela ministra da Economia em pleno voo para os Estados Unidos de Scott Bessent com um aviso: “Ou assina tudo ou pode voltar para casa”. Mais tarde, o Secretário do Tesouro falou em “alterações de última hora”. Após uma reunião do governo Trump, para assinalar os 100 dias no poder, Scott Bessent declarou que os EUA estavam prontos para assinar o acordo sobre minerais, mas que os ucranianos tinham “decidido [na terça-feira] à noite fazer algumas alterações de última hora”.
Quando os jornalistas lhe pediram que concretizasse, o secretário do Tesouro respondeu: “Nada foi retirado. É o mesmo acordo que alcançámos este fim de semana. Não há alterações da nossa parte”.
Trump não se inquietou com estas dúvidas de “última hora” e reiterou que os EUA queriam algo em troca “dos seus esforços” em relação à Ucrânia. “E nós dissemos: as terras raras. Eles têm terras raras muito boas”, acrescentou. “Concluímos um acordo que garante o nosso dinheiro e nos permite começar a escavar e a fazer o que precisamos de fazer”, continuou o Presidente norte-americano, sublinhando que “também é bom para eles porque haverá uma presença norte-americana” na Ucrânia.
Segundo o Washington Post (WP), que analisou a última versão do documento, o acordo não oferece garantias concretas de segurança à Ucrânia, como Zelensky tanto pediu. Mas afirma um “alinhamento estratégico a longo prazo” entre os dois países e promete o “apoio dos EUA à segurança, prosperidade, reconstrução e integração da Ucrânia nos quadros económicos globais”.
O acordo também não tem qualquer alusão à Central Nuclear de Zaporíjia, ocupada pela Rússia, e que os EUA tinham sugerido controlar como parte de um futuro acordo de paz, acrescenta o jornal norte-americano.