André Ventura: o grande provocador

Cada vez que vejo um debate do André Ventura, tiro sempre conclusões opostas. Vejo o lado demagógico, populista e com a mentira fácil. Mas isso já não me surpreende nada. É assim que Ventura faz política. Seria mesmo difícil para o líder de um novo partido, que quer entrar no sistema sabendo que deve lutar com os que já lá estão, fazer política de um modo diferente.

Mas, por outro lado, acho graça ao líder do Chega. Aprecio o sentido de humor que revela nos debates, tem uma imagem simpática, mais fair play do que a maioria dos seus opositores, tem talento, e é inteligente. Mas o que mais gosto nele é que ele provoca e sabe provocar. Gosto de provocadores. Além disso, ao contrário da quase totalidade dos comentadores, não consigo levar Ventura muito a sério. Muito menos o vejo como uma ameaça, ao não ser ao poder dos partidos que existem há muito tempo. Como eleitor tradicional da AD, não gosto, mas isso não me faz deixar de apreciar Ventura.

O que mais me impressiona são os comentários de todos aqueles que dão notas aos participantes dos debates eleitorais. Apesar da década que passou em Belém, o grande legado de Marcelo Rebelo de Sousa à política portuguesa são as notas. Muitos comentadores adoram dar notas, nota-se bem o gosto de declarar os vencedores e os derrotados. Desconfio que têm um desejo secreto de um dia fazerem parte de um júri num tribunal (como nas séries americanas), ou num concurso de miss Portugal, ou no festival da canção.

É ainda extraordinário como discordam em quase tudo, menos em relação a André Ventura. Obviamente, o líder do Chega perde sempre os debates. Mais, antes da maioria dos comentadores começar a falar sobre a prestação de Ventura, já sabemos o que vão dizer. Ventura consegue uma coisa notável: transforma todos os comentadores numa espécie de virgens ofendidas, como se acabasse com a virtude, e coubesse assim aos comentadores repor a virtude atacada. Não vou dizer nomes, mas ver algumas pessoas, que todos nós conhecemos, portarem-se como virgens ofendidas, tem imensa graça, e é impossível levar a sério.

Ventura, naturalmente, quer chocar e provocar. E tem um sucesso absoluto. Os comentadores ficam chocados e sentem-se provocados. Cada vez que declaram mais uma derrota para Ventura, estão na realidade a dar-lhe a vitória. Se os comentadores, que para Ventura fazem parte do sistema, lhe dessem vitórias, ele ficaria muito desiludido. Dariam cabo da sua estratégia política.

A maioria dos comentadores leva-se tão a sério, têm-se em tão alta conta que nem reparam que Ventura é um provocador nato. Gosto da provocação na política, do atrevimento. Consigo discordar de muito do que Ventura defende e mesmo assim gostar de o ver debater, e considerar que é muito bom em debates.

Sempre discordei de Mário Soares, nunca votei nele nem no partido que liderou, mas sempre lhe achei imensa graça. Lembro-me do debate nas presidenciais entre Mário Soares e Freitas do Amaral. Apoiava o segundo, mas no fim do debate pensei, o Soares é um provocador, e o Freitas é um chato que se leva muito a sério. Gostava do lado provocador de Soares.

Aconteceu-me o mesmo com Santana Lopes. Era uma delícia vê-lo debater, o atrevimento, a graça e o humor. Nunca ninguém fez discursos como ele nos famosos Congressos do PSD.

A política precisa de provocação. É como o sal na comida. Ventura está muitas vezes errado, devia ser menos ofensivo e muito menos grosseiro (o seu ponto mais fraco), mas é um provocador e um atrevido. Os outros todos são burocratas políticos. São uns maçadores.

Author: Tudonoar

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