
O mais assustador do apagão não é que tenha acontecido: é que, dias depois, as autoridades continuem a não saber por que aconteceu. Entretanto, descobrimos isto: por opção dos governos, o nosso sistema energético tem vulnerabilidades que tornam os apagões prováveis. É o resultado da “transição energética”, que sujeitou o sistema às intermitências das energias renováveis, e ao mesmo tempo o privou de elementos de estabilização e de recuperação, como eram as antigas centrais a gás ou a carvão. Há quem ande há muito tempo a chamar a atenção para esse risco, como o engenheiro Mira Amaral. Acontece que ninguém o ouviu. Nunca houve qualquer debate sobre as escolhas energéticas dos últimos anos, incluindo, no caso português, a opção da dependência de Espanha. E essa falta de debate público é talvez o aspecto mais relevante.
A substituição da energia fóssil e nuclear por energia renovável passou por indiscutível. Era a energia “limpa” e “inesgotável”. Ter dúvidas era um crime: era querer matar o planeta. Mas a energia não foi o único assunto submetido, no Ocidente, a este regime de conversa proibida. O mesmo, por exemplo, aconteceu à opção de deslocalizar fábricas para a China. Quem hesitasse era um reaccionário “nacionalista económico”, cego perante o futuro: um mundo de países unidos pela harmonia do comércio global, por fim iguais nas suas instituições e maneiras de ver, e portanto sem motivos de conflito entre si. Que mal faria se a China fosse o nosso único fornecedor de um produto essencial? E que mal faria também se fizemos de conta que não havia fronteiras e deixássemos entrar no país, ilegalmente, quem quisesse? Era o modo mais simples de compensar o declínio demográfico ou a relutância da população para desempenhar certas tarefas. Problemas de integração? Nenhuns. Bastaria abolir as identidades nacionais e fazer de cada país uma espécie de aeroporto internacional, onde os habitantes apenas tivessem de cumprir umas poucas de regras mínimas, sem precisarem de ter mais nada em comum entre si. Só um xenófobo ou um racista se lembraria de ter dúvidas.
Houve, perante estas opções, um pressuposto comum: era preciso ser pelo menos “nazi” para as querer discutir. Aliás, nem sequer eram “opções”. Eram evoluções naturais, facetas de um progresso inevitável e salutar. Não havia nada a discutir. Por isso, não pudemos examinar as vulnerabilidades dos novos sistemas de energia intermitente, e o seu verdadeiro custo. Por isso, não pudemos admitir que a China maoísta, em vez de se tornar uma nova Suíça, continuasse a ser uma potência subversiva da ordem ocidental. Por isso, não pudemos reconhecer que migrações massivas, bruscas e descontroladas iriam pôr em causa a coesão social que, no Ocidente, sustenta a democracia pluralista, o “Estado social” e o sentimento de segurança.
Ficámos presos numa rede de tabus. Por causa da “emergência climática”, não podia haver reservas às eólicas. Por causa do “perigo do populismo”, não se podia falar do caos migratório. Os “especialistas” que assinavam os relatórios oficiais ou pregavam nas televisões serviram sempre, não para iniciar debates, mas para calar quem pensasse de outra maneira. Assim se tomaram decisões com toda a inconsciência, e se deixaram acontecer coisas com toda a irresponsabilidade. Um dos resultados desse dogmatismo pode bem ter sido o apagão ibérico de segunda-feira. Por detrás de um apagão como esse está sempre outro apagão: o do debate público, isto é, o da liberdade. As democracias ocidentais têm de recuperar a capacidade de discutir tudo livremente. Disso depende a sua sobrevivência.