
“O que passa na série não é nem 1% do que é transacionado”, conta ao Observador Ana Melo, consultora imobiliária que trabalhou com os Kretz em Portugal entre 2023 e 2024. Ana conheceu-os há pouco mais de dois anos, quando foi até o salão imobiliário em Paris sugerir à família que trouxessem o negócio para cá. A Kretz terá começado a atuar em Lisboa em 2023 mas anunciou oficialmente o início das atividades em Portugal em março de 2024, mantendo negócios em território luso até meados de outubro. Nas redes sociais, onde Martin e Valentin Kretz aparecem a apresentar casas em Lisboa, na Comporta, em Setúbal e em Sintra, a empresa simplesmente parou de anunciar imóveis e o site da agência já não traz informações sobre as operações em Portugal. Ao Observador, Ana explica que em novembro de 2024 decidiu trabalhar por conta própria, assim como outros agentes que trabalhavam em regime de exclusividade com a agência. “Foi uma troca muito positiva. Ocasionalmente ainda envio clientes para eles e eles para mim”, conta a consultora imobiliária.
Rute Rodrigues, consultora imobiliária no Algarve, também trabalhou com os Kretz em 2024. “É uma empresa que funciona mesmo muito bem, são excelentes profissionais, estão muito bem posicionados no mercado de luxo e gostei imenso daquilo que aprendi com eles”, destaca. Entretanto, Rute também decidiu deixar de trabalhar de forma exclusiva com os Kretz. “O tipo de clientes que eles têm e o tipo de produtos que nós vendemos aqui não se encaixaram muito bem“, afirma a consultora imobiliária que trabalha no sector de luxo desde 2020. Rute destaca que algumas características como acabamentos e materiais fazem a diferença e que os compradores de alto luxo são mais exigentes. “Fiz algumas visitas mas entretanto os clientes ficaram pouco impressionados com alguns pontos que vinham à procura.” O Observador tentou contatar a agência Kretz para saber os motivos que levaram à suspensão das atividades em Portugal mas não obteve resposta até a publicação deste artigo.
Apesar dos Kretz terem decidido suspender as atividades por cá, as imobiliárias que atendem os sectores premium e luxo em Portugal apostam no crescimento do sector. Em 2024 a Sotheby’s Portugal registou um aumento de 20% na faturação face a 2023. “A baixa das taxas de juro, as menores rentabilidades das aplicações financeiras e a elevada instabilidade dos mercados bolsistas fazem com que o mercado imobiliário de luxo seja, atualmente, um “mercado refúgio” para muitos investidores com elevado poder de compra. O mercado mostra forte tendência de valorização para 2025, impulsionado pela expectativa de descida das taxas de juro e da inflação. Todavia, e apesar da atratividade do país, a escassez de oferta de imóveis e a morosidade nos licenciamentos continuam a ser entraves relevantes para o crescimento deste sector”, destaca Miguel Poisson, CEO da Portugal Sotheby’s International Realty.
Miguel Poisson confirma que a Grande Lisboa é a região mais procurada, tendo representado 55,5% das transações da imobiliária em 2024. “Lisboa continua a ser a região do país onde os imóveis de luxo atingem os valores mais elevados, particularmente nas zonas da Avenida da Liberdade, do Príncipe Real e da Estrela. A elevada procura nacional e internacional, a oferta limitada e a forte valorização patrimonial destes bairros históricos explicam este fenómeno”, diz. Mas convenhamos que, mesmo alargando o raio de ação, não será fácil encontrar por aqui imponentes chateaux como o que o basquetebolista Tony Parker tinha em mente quando procurou os Kretz, um dos episódios da mais recente temporada.
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De acordo com os números de 2024 da Sotheby’s, o Algarve é a segunda região mais procurada, representando 17% das transações e a Madeira surge em terceiro lugar, com 11% de negócios fechados. “O Porto tem vindo a registar, também, um aumento pela sua procura, sobretudo por parte dos compradores americanos que, pouco a pouco, tem vindo a descobrir o encanto da cidade invicta para viver com qualidade e segurança”, diz Miguel Poisson. Também a CEO da RE/MAX Collection, departamento da Remax focado em imóveis de luxo, aponta para o crescimento do sector em 2025. 64,5% das transações de 2024 foram em Lisboa, seguida do Porto com 10%. Dentro do distrito de Lisboa, depois da região central destacam-se os concelhos de Cascais e Oeiras. “Não obstante poder-se encontrar imóveis de luxo um pouco por todo o país, tendencialmente onde a localização é mais valorizada, é também onde se encontram a grande maioria dos imóveis mais caros. Na RE/MAX Collection, o concelho de Cascais é o que tem apresentado, globalmente, preços mais elevados, e em menor grau, o de Lisboa”, diz Beatriz Rubio, que afirma ainda que apesar da subida de preços no mercado imobiliário o mesmo não se verificou nas transações da imobiliária focada no segmento de luxo. “É sabido que a elasticidade da procura no mercado dos imóveis de luxo é bastante reduzida, se comparada com o mercado global ou outros segmentos, ou seja, uma variação do preço não afeta grandemente a procura.” Enquanto a RE/MAX Collection registou um preço médio de cerca de 880 mil euros, as transações da Sotheby’s tiveram ticket médio de pouco mais de 1 milhão de euros.
Ao contrário do que se pode pensar, os dados das duas imobiliárias mostram que os portugueses ainda são os que mais compram casas de luxo. 57% das transações realizadas pela Sotheby’s Portugal foram com clientes portugueses enquanto os nacionais representaram 74,75% das transações da RE/MAX Collection. Entre os estrangeiros destacam-se nacionalidades como os norte-americanos, os franceses, os britânicos, os alemães e os brasileiros.
“Enquanto alguns compradores procuram investir em novos empreendimentos e rentabilizá-los através do arrendamento, outros procuram uma residência permanente ou uma segunda habitação, valorizando, sobretudo, a qualidade de vida, o clima, a segurança e o acesso facilitado ao espaço europeu”, destaca Miguel Poisson, da Sotheby’s. “Não obstante a maioria destes clientes procurar uma segunda ou terceira habitação (designadamente entre os clientes nacionais e franceses), temos registos de várias transações cujo objetivo visa o investimento a longo prazo e algumas de facto como para a primeira habitação”, explica Beatriz Rubio, da RE/MAX.
Um T3 com terraço e vista para o rio, elevador e garagem, suíte, área de estar acima dos 80 metros quadrados e pé direito alto, no meio do Príncipe Real ou da Estrela. A descrição vem dos consultores imobiliários ouvidos pelo Observador, que revelam os pedidos mais comuns dos clientes. Características que também assumem ser praticamente inexistentes nesta zona da capital e que, se estiverem todas juntas num único imóvel, podem fazer o metro quadrado saltar de 5 mil euros para 10 ou até 20 mil euros. Em termos práticos, o valor de um imóvel hipotético com estas características ficaria entre 1 e 2 milhões, com alguns consultores apontando para valores acima dos 5 milhões a depender das características.
O francês Pascal Chesnot mudou-se para Lisboa em 2005 em busca de um novo estilo de vida. Depois de empreender no ramo da restauração, desde 2016 dedica-se ao mercado imobiliário. No seu site anuncia apartamentos com as mais diversas tipologias no centro de Lisboa, desde T1 em Arroios, com 60 metros quadrados, por 350 mil euros, até apartamentos de sete quartos na Avenida António Augusto de Aguiar por 3,2 milhões, ou uma casa na Lapa de 370 metros quadrados por 3,6 milhões. Cerca de 80% dos clientes que atende são estrangeiros: “Tenho muito networking francês, como é óbvio, e ao fim de nove anos as pessoas passam a palavra. Mas também tenho trabalhado muito com clientes norte-americanos e ingleses”, destaca Chesnot.