
O líder do PS quer ligar a crise do apagão à crise de liderança que diz existir no atual Governo e recorre mesmo a exemplos da governação socialista — um deles propositadamente ligado ao seu tempo como ministro — para fazer o contraponto com uma gestão de crises “incompetente” do atual primeiro-ministro. Não poupa Luís Montenegro: “O mais grave é que também tivemos um apagão no Governo central (…) Faltou uma voz de comando e de serenidade.”
“Durante horas, milhões de pessoas ficaram sem acesso a informação fiável, sem orientações claras, quando o que se esperava era uma resposta célere e eficaz”, descreveu o líder socialista numa conferência de imprensa dada na sede nacional do partido, em Lisboa, poucos minutos depois de o primeiro-ministro ter falado. “É nas dificuldades que se avalia a verdadeira liderança e ontem não a tivemos”, concluiu sobre a ação do Governo onde apontou um ministro, o da Coesão, por “validar” desinformação (sobre uma falsa notícia atribuída à CNN internacional sobre um ciberataque) e duas ministras, da Administração Interna e do Ambiente, “desaparecidas”.
Mas o foco maior foi mesmo em Montenegro, com o líder do PS a criticar o primeiro-ministro por não ter dito “nada de relevante” ou que “pudesse serenar as dúvidas e incertezas das pessoas”, quando falou ao país na tarde de segunda-feira, ainda com o país sem luz. E depois, também pela visita que Montenegro fez, já ao fim do dia, à Maternidade Alfredo da Costa, em Lisboa: “O Governo falha sempre na resposta à crise, nunca falha na propaganda”. A gestão, disse, fez lembrar não só a resposta aos incêndios de 2016 como a crise do INEM — em que o PS chegou a pedir a cabeça da ministra da Saúde.
Durante estas declarações, o líder do PS recorreu a duas das crises do seu tempo no Governo para contrapor à “incapacidade” do atual Governo perante contextos de aperto. E acenou mesmo com a “incerteza económica e política” dos próximos anos para sugerir risco de ter um “primeiro-ministro que tem incapacidade de lidar com crises”, ao contrário do PS que, disse, “mostrou estar à altura, nas medidas e na forma como comunicou a ação governativa” — agarrando-se a essa ideia que o costismo também rentabilizou na estrada eleitoral.
Um dos exemplos que deu foi escolhido a dedo, o da greve dos motoristas de matérias perigosas e 2019, altura em que tinha acabado de assumir as funções de ministro do Governo de António Costa, precisamente com aquela tutela. O outro foi o da pandemia e quando questionado sobre se teme que, tal como nessa crise, os portugueses acabem a beneficiar, nas eleições, quem está no poder. Pedro Nuno rejeitou “cálculos” e acusou o Governo de ter gerido “mal a crise”, “coordenou mal, comunicou mal”. “É um padrão, não é a primeira vez perante uma crise que o Governo falha”. “Não tem de beneficiar de uma crise que geriu mal”, rematou sobre o assunto.
Pedro Nuno Santos, que passou as horas do início do apagão, a escrever tweets sobre o que faria se fosse primeiro-ministro, defendeu na conferência de imprensa que a Proteção Civil deveria ter usado a rádio, “com comunicações de hora em hora”, para dar novas informações sobre o caso e o tempo de resolução do mesmo à população. “Não houve coordenação centralizada dos serviços de proteção civil municipais”, disse ainda descrevendo autarquias “entregues à sua sortes” e garantindo que teria tido uma “informação mais regular dos portugueses” e uma “coordenação diferente dos serviços de proteção civil a nível nacional”.
Para evitar iguais cenários no futuro, defendeu “continuar a reforçar a rede e modernizar a sua gestão” e “garantir a estabilidade do sistema e os padrões de segurança que teriam evitado” um apagão. Não concretizou muito mais, nem deu gás à ideia de Luís Montenegro de uma comissão independente para apurar o que se passou, preferiu concentrar-se unicamente na gestão do Governo até aqui e neste momento muito em concreto.
Tentou, no entanto, afastar-se de extremos, ao não aceitar como explicação para o apagão aquela que vai sendo avançada pela esquerda à esquerda do PS sobre a privatização da REN. Reduziu a tese a “conclusões de política ideológica”, mas “se a REN fosse pública teríamos tido apagão na mesma”. “Não é a propriedade da REN que resolveria o problema que tivemos ontem”, afirmou. “Pode-se discutir a REN, mas não pelo que aconteceu ontem”, acrescentou sobre este ponto concreto. “O Mercado Ibérico permitiu a Portugal poder fornecer às famílias energia mais barata a cada momento, não foi uma questão de soberania energética porque Portugal tinha capacidade energética naquele momento”, especificou.
Também chutou para canto — sem surpresa — quem defende que a solução poderia ter passado pela manutenção das centrais a carvão, do Pego e de Sines, que foram encerradas durante a governação socialista. “A manutenção de centrais a carvão em Portugal não teria evitado apagão”, afirmou na mesma conferência de imprensa.
O único elogio foi para os “milhões de cidadãos que tomaram decisões difíceis e corajosas”, como profissionais de saúde, bombeiros e funcionários de autarquias, bem como das proteções civis municipais “de forma a garantir a ordem pública”. Dirigiu-se muito diretamente a este grupo para afirmar: “Foi o vosso sentido de comunidade, de responsabilidade e de solidariedade que manteve o país de pé enquanto o Governo falhava. Por isso, hoje, quero deixar-vos uma palavra muito simples e muito sentida. Obrigado. É convosco que podemos construir um país mais seguro, mais forte, mais justo.”