
A organização não-governamental (ONG) Oxfam alertou para o elevado risco das uniões prematuras associadas a ataques de grupos extremistas islâmicos na província de Cabo Delgado, no norte de Moçambique.
“Embora as uniões prematuras sejam um problema a nível nacional, podemos argumentar que as raparigas em Cabo Delgado enfrentam riscos ainda maiores, incluindo ameaças de danos físicos e psicológicos a longo prazo”, lê-se num relatório da Oxfam.
Desde outubro de 2017, Cabo Delgado, província rica em gás, enfrenta uma rebelião armada, que provocou milhares de mortos e uma crise humanitária, com mais de um milhão de pessoas deslocadas devido aos ataques destes grupos.
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De acordo com a ONG, a maioria das meninas na província foram forçadas a abandonar a escola, o que as deixa “mais vulneráveis” à exploração, gravidez na adolescência e uniões prematuras.
“Grupos de raparigas relatam casos de raparigas raptadas pelos grupos armados, abusadas sexualmente e forçadas a casar (…), várias meninas voltaram com bebés” refere o estudo.
A Oxfam aponta ainda para a poligamia como um dos fatores de risco para a ocorrência destas práticas em Cabo Delgado.
“Muitas meninas são forçadas a relacionar-se com homens que já são casados com uma ou mais mulheres e por consequência enfrentam dinâmicas de poder desproporcionais”, explica ainda o documento.
Segundo o estudo, o conflito armado naquela província exacerbou a falta de acesso e de qualidade dos serviços que protegem e apoiam as raparigas contra as uniões prematuras.
“Os serviços legais e de proteção do Governo para as sobreviventes de violência sexual e uniões prematuras não estão atualmente disponíveis em alguns distritos de Cabo Delgado devido à insegurança contínua”, acrescenta.
Para a ONG, estas uniões demonstram de forma clara o impacto da desigualdade entre raparigas e rapazes, sendo atualmente impulsionados pelos desastres naturais e os conflitos armados, principalmente no norte do país.
Dados do Governo moçambicano indicam que as autoridades moçambicanas ajudaram 1.099 menores vítimas de casamentos prematuros a regressar às famílias, ou a serem colocadas em “proteção alternativa”, em 2024.
Deste total, só a província de Nampula, no norte de Moçambique, contou com 331 crianças retiradas destes casamentos, seguindo-se Manica e Zambézia, ambas no centro, com 176 e 175, respetivamente, de acordo com um relatório.
Desde outubro de 2019 que Moçambique tem em vigor a Lei de Prevenção e Combate às Uniões Prematuras, que elimina uniões maritais envolvendo pessoas com menos de 18 anos, punindo com pena de prisão até 12 anos e multa até dois anos o adulto que se casar com uma criança.
A pena é igualmente extensível a adultos que participarem nos preparativos do noivado e a qualquer adulto que aceitar viver numa união arranjada por outras pessoas, quando tenha conhecimento de que o parceiro tem menos de 18 anos.
As sanções estão igualmente previstas para funcionários públicos, líderes religiosos e líderes tradicionais que celebrarem casamentos envolvendo menores de 18 anos, caso em que o servidor público será condenado a pena de até oito anos de cadeia.
Só em 2024, pelo menos 349 pessoas morreram em ataques de grupos extremistas islâmicos em Cabo Delgado, um aumento de 36% face ao ano anterior, segundo dados divulgados recentemente pelo Centro de Estudos Estratégicos de África (ACSS), uma instituição académica do Departamento de Defesa do Governo norte-americano que analisa conflitos em África.
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